22 de nov. de 2007

Anotações


Imagem em transformação

Fotografia de gaveta, alusão às fotografias amadoras que registram situações domésticas, como festas e viagens, dá nome à exposição que o artista Marcelo Amorim apresenta no Sesc-Pompéia.

São fotografias marcadas pelo limite extremo de aproximação com as artes gráficas e que põem em dúvida a sua origem tecnológica. Valorizando a ação e a transformação, as fotografias são apropriadas de desconhecidos e, com o auxílio de uma copiadora, são recortadas, ampliadas e posteriormente reconstituídas.

Os atos realizados implicam uma operação no território da subjetividade. Ao furtar as fotografias, o artista comete sua primeira transgressão. A ação deste gesto recai menos no conteúdo legal do ato, ingênuo aos padrões éticos e legais da privacidade no nosso século, do que na sua intencionalidade: a apropriação simbólica da história contida naquela imagem. Amorim ainda executará outras intervenções que transformarão essas imagens destituídas de sentido ao olhar alheio em imagens dotadas de sentido transitivo no campo artístico.

Sua segunda transgressão consiste no apagamento da sustentação fotográfica. Esse processo se inicia com o retalhamento da fotografia em fatias que conduzirão o olho do observador a realizar um zoom que desvia a atenção da integralidade para um campo macro da imagem. Em seguida, cada fatia é ampliada em copiadora, equipamento que além de promover a deformação cromática degenera a cópia e ressalta as imperfeições não detectáveis no formato original, resultando em uma imagem opaca, suja. São procedimentos intencionais de subtração das características fotográficas e de aproximação com as propriedades da arte gráfica. Ao utilizar recursos como copiagem e recorte Marcelo insere atividades do cotidiano na imagem – recursos de uso rotineiro nos escritórios – e reitera o sentido da apropriação, agora atuando na própria morfologia da imagem.

Na seqüência, o artista reconstitui as imagens. Tendo como modelo a composição inicial, as folhas são dispostas deixando aparente as junções entre elas e, em seguida, são fixadas no painel. A escolha pelo método de colagem indica a intenção de deixar aparente a fratura da imagem e, por conseqüência, o processo de fragmentação. Esse recurso de montagem sinaliza também a aproximação com as propostas de arte e propaganda do espaço público urbano, com o lambe-lambe e o outdoor.

Apesar da descaracterização da imagem fotográfica, as três operações de transfomação – furto, retalhamento e copiagem – são compreendidas como um gesto expansor que trata a fotografia nas suas fronteiras. Nesse caso, a imagem fotográfica se afasta das características industrialmente pré-definidas para a câmera, como a captação e seus valores iconográficos, para valorizar as possibilidades de processamento da imagem, as mutações pós-produção e a intervenção do artista. Amorim está reposicionando o universo pessoal da foto-recordação guardada na gaveta do móvel de um quarto de dormir em um símbolo transitivo no território da subjetividade da arte.